Para fins de melhorar a sua experiência, este site usa atualmente cookies. Eu Compreendo
Página Inicial
<  MAIO 2024  >
SEG TER QUA QUI SEX SAB DOM
1 2 3 4 5
6 7 8 9 10 11 12
13 14 15 16 17 18 19
20 21 22 23 24 25 26
27 28 29 30 31 1 2

Nutrição, uma ancora para recuperar

Nutrição, uma ancora para recuperar
30 de Janeiro de 2021

Entrevista à Bastonária da Ordem dos Nutricionistas


Dietas ou alimentos, mesmo que saudáveis, não protegem o organismo contra nenhuma doença contagiosa. Permitem, sim, o reforço do sistema imunitário e uma melhor resposta à doença. Cure-se da desinformação.





imagem





Têm surgido muitos conselhos relacionados com a alimentação, que insinuam que dietas, como a mediterrânica, dão imunidade contra a COVID-19. Há alguma dieta com esse dom? 

A maior parte da informação pouco tem que ver com a evidência científica. A dieta mediterrânica é um padrão alimentar saudável. Como tal, melhora o nosso estado nutricional e, de alguma maneira, o sistema imunitário fica otimizado. Mas não nos podemos agarrar a um alimento milagroso para dizer que tem uma ação específica sobre o sistema imunitário. A alimentação é um todo. Deve providenciar os alimentos para termos os nutrientes necessários para um bom estado nutricional. Indivíduos com um estado nutricional adequado ficam com o sistema imunitário reforçado, o que permite que, face a uma doença, possam ter uma melhor recuperação. Nesta altura, vemos, por um lado, os profissionais de saúde a tentarem desmistificar conceitos, muitas vezes errados, e, por outro, a braços com um conjunto de contrainformação que nada guarda da relação com a evidência científica. E, no final do dia, o que acontece? Indivíduos sem uma boa literacia alimentar, para conseguirem descortinar entre o certo e o errado, podem ver-se na malha da desinformação e agarrar-se a falsos conceitos, vendidos como milagres.




Algumas informações surgem associadas a nutricionistas. Tem essa perceção? A ordem tem recebido queixas?

Neste período de pandemia, a ordem não tem qualquer registo, informação ou queixa contra um nutricionista que possa estar a veicular informação errada no âmbito da COVID-19. Não quer dizer que não exista. No mundo virtual em que vivemos, é difícil acompanhar a quantidade de notícias. Pode acontecer que um indivíduo se faça passar por nutricionista. Até pode não dizer que o é, mas veicular informações na área da alimentação e da nutrição. Os nutricionistas devem reger-se pela melhor evidência científica, como qualquer outro profissional de saúde. Qualquer cidadão que suspeite de uma informação menos precisa de um profissional deverá colocar a questão à Ordem dos Nutricionistas. Os consumidores podem confirmar a identidade no registo nacional dos nutricionistas, que se encontra em www.ordemdosnutricionistas.pt.



Qual a importância da alimentação no contexto de uma pandemia? Os hábitos alimentares alteraram-se?

Na altura do confimamento, a Direção-Geral da Saúde fez um inquérito a adultos, o REACT-COVID, que trouxe alguns dados relativamente preocupantes. Durante o isolamento, os portugueses alteraram os hábitos. E, por vezes, para pior, na dimensão da insegurança alimentar, ou seja, na dificuldade em aceder a alimentos para ter uma dieta saudável. Um em cada três portugueses reportou essa dificuldade. É imensamente preocupante. E ainda mais quando algumas famílias vivem momentos de dificuldade económica. As questões de desigualdade social adensaram-se, o que tem impacto na alimentação. E, dado que a alimentação é determinante para a boa saúde, podem estar a acentuar-se as desigualdades na saúde. Se somarmos a isto o momento em que as estruturas de saúde estão muito voltadas para a COVID-19, o que se compreende... mas estão a ser deixados de lado indivíduos com outras doenças, nomeadamente crónicas, como as cardiovasculares, o cancro e a diabetes, que até guardam relação com a alimentação. Podemos estar perante uma mistura bastante perigosa. Estas doenças não estão de quarentena. É preciso que os serviços de saúde tenham uma organização que responda à pandemia, mas que não deixe de lado as outras doenças. Muitas agravam-se com a desigualdade e a precariedade económica.



imagem

Qual o papel da nutrição nos grupos de risco ja identificados em relação à COVID-19, como diabéticos, obesos e hipertensos?

Um indivíduo com COVID-19, e com estas doenças, uma vez curado, deve repensar os hábitos alimentares para, num ou noutro sobressalto da vida, poder estar mais apto para lutar. A ordem elaborou um guia para nutricionistas, com orientações precisas para doentes internados com COVID. Primeiro, deve avaliar o estado nutricional e, depois, fazer uma prescrição nutricional adequada. Os doentes internados, nos cuidados intensivos ou não, recuperam melhor se tiverem um suporte nutricional otimizado. Tem sido uma das atividades dos nutricionistas nos hospitais públicos. Mas são muito poucos aqueles que trabalham no Serviço Nacional de Saúde (SNS). E há um número insuficiente de nutricionistas nos cuidados primários, nos lares — e veja-se a falta que fazem e aquilo que se notou nos últimos tempos —, nas escolas e na indústria alimentar. Os cuidados de nutrição para a população portuguesa não estão a ser acautelados. Mas, neste momento particularmente difícil, houve um contacto muito próximo entre os nutricionistas do SNS e a ordem, numa perfeita retroação, para que a resposta fosse atempada e adequada.



Tem havido a tentativa de colar os suplementos alimentares à prevenção da COVID-19. Faz sentido ou a alimentação, só por si, garante uma boa saúde?

A alimentação garante um bom estado nutricional e a otimização do sistema imunitário. Não existe evidência científica de que qualquer suplemento alimentar, ou superalimento, possa prevenir ou tratar a COVID-19. Essa foi uma das informações falsas que mais circularam nas redes sociais, no início da pandemia. A Ordem dos Nutricionistas teve um papel muito ativo nesse domínio, com comunicados para tentar contrariar a informação falsa, e espalhando a veiculada por autoridades competentes na matéria, como a Organização Mundial de Saúde. Este tipo de informação é perigosa, pois dá uma falsa sensação de segurança.



O conceito de superalimento existe?

Existem alimentos que, no seu conjunto, são super naquilo que é o desígnio máximo, que é dar mais saúde. Não há nenhum superalimento, porque nenhum tira a vez aos outros. Não há nenhum alimento que, sozinho, possa fazer face às necessidades nutricionais dos indivíduos, com a exceção dos primeiros meses de vida, em que as crianças devem ter o leite materno. É o único momento em que nos podemos socorrer de um só alimento para nos dar a melhor saúde possível.





Entrevista: Deonilde Lourenço e Fátima Ramos | Fotografia: José Pedro Tomaz 

Fonte: Teste Saúde, fevereiro 2021, N.º 149, fev/mar, edição impressa, Deco Proteste